quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Capitu surfistinha

Talvez a maior e mais persistente polêmica brasileira seja se Capitu traiu ou não Bentinho com Escobar. Até o presente momento, eu não quis entrar nessa celeuma. Imaginei que, se esclarecesse o enigma, eu iria esvaziar muitas teses de mestrado, muitas festas literárias e suas mesas redondas. Alguns livros sobre o tema seriam simplesmente ignorados.

Sentia-me mais ou menos como um cientista que descobre a cura para uma doença importante, mas que ao mesmo tempo compromete os lucros da indústria farmacêutica. Mas agora, diante da proximidade de uma minissérie da Globo intitulada Capitu, baseada no meu livro Dom Casmurro, entendi que era hora de vir a público, por meio do meu blog, resolver o enigma.

A verdade é que todo esse mistério foi obra de um processo não desejado. Na primeira versão do romance, eu havia deixado tudo muito claro – e o fui, até nos mínimos detalhes, para que não restasse dúvida alguma.

Havia um capítulo em que Bentinho flagrava Capitu e Escobar na cama, mais um camelo e três anões besuntados. Dois escravos negros assistiam a tudo – um gemia, o outro procurava olhar para o lado. Capitu coordenava a todos, menos o camelo, que se encarregava apenas de beber a água espalhada nos seus seios. Os anões, por sua vez, ocupavam o que havia de disponível em Capitu e Escobar – que parecia ser o mais contente da festinha. Para deixar mais claro que aquela era uma cena de adultério, Capitu gritava: “Isso aqui não é só aaaaaaahh sexo! Isso, isso, isso é amooooor! Eu amoooooo fazer isso! Vamos, Escobar! Não pára, não pára, safadinho!”. Os escravos estavam na cena para alimentar a imaginação dos sociólogos e historiadores. Fui mostrar essas páginas para um amigo que considerava arrojado. Ele me disse que eu estava muito louco, que precisava me acalmar e recomendou-me que tomasse um chá. Então, fundei a Academia de Letras. Outro escritor próximo objetou que não havia camelos no Brasil. Então, mudei para uma anta, o que retirou um pouco do erotismo e criou um significado indesejado. Por tudo isso, acabei por retirar tal capítulo do romance, o que provocou todo esse mistério.

Mas devo dizer que Capitu foi uma personagem que cresceu, tomou vida própria, fugiu-me ao controle. Tanto que, quando vi, ela havia ofertado o seu sexo para o livro inteiro e para toda a sua cadeia produtiva. Capitu não se contentou só com os personagens disponíveis nas páginas. Seguiu sua sanha com o editor, o diagramador, o revisor e até com o pessoal da gráfica, que de tão felizes não param de me mandar calendários promocionais. Ô olharzinho oblíquo e dissimulado poderoso, esse.